Diálogo santomense

(a propósito da recente moção de censura ao Governo de São Tomé)

- Eeeeuuu, não estou nem um pouco interessada na sansão de moçura.
- Você matou Camões e ainda acha que está a falar português??

UM COLO PARA A MENINA



Ilustração: Karen Barbour
O tecto da casa, as pernas longas da mãe, as correrias dos irmãos que às vezes se agacham e se fixam na menina com uma ou outra brincadeira, uma ou outra palavra, na menina que vê tudo de baixo para cima. Às vezes não vê nada, está sozinha, todas as manhas da semana fica sozinha a ver o tecto sempre de baixo para cima. A menina tem olhos nervosos que procuram. Só os olhos mexem, mais nada na menina. Talvez por isso não parem, procuram as pernas da mãe. Passam moscas e mosquitos, passam ratos, passam sombras e ondas de calor, só ela continua presa ao chão, o movimento nunca é da menina. Mas às 14h chegam as vozes e as pernas da mãe. Depressa chega o colo e a menina sorri, agora já não vê tudo de baixo para cima. Da cama a menina já caiu, por isso o chão com um resguardo continua a ser o melhor para a menina. Acompanha tudo o que mãe faz, de volta ao lugar onde vê tudo de baixo para cima. A cadeira antiga há muito que partiu e a mãe não pode comprar outra. Só resta à mãe ser as mãos e as pernas da menina. A mãe consegue ser assim, duas em uma, ser e acontecer, cuidar e fazer crescer a menina que foi condenada a nunca se mexer. Mãe três vezes, mãe todos os dias, ganha-pão e colo que fazem a menina sorrir. Mas a mãe ainda não conseguiu uma cadeira nova para a menina. Mas hoje tudo mudou, hoje a menina olha de frente para os irmãos, hoje a menina está sentada e já não precisa ver tudo de baixo para cima, hoje tem uma cadeira colo oferecida pela madrinha. Agora já pode fazer o que mais gosta, que é seguir com os olhos todos os movimentos da mãe e vê-la a sorrir para a menina.


(Esta é uma história verdadeira que publiquei nesta edição da revista Mundoh da Helpo, sobre uma criança de 9 anos com deficiência profunda. A sua irmã é apadrinhada ao abrigo do programa materno-infantil da Helpo. A sua madrinha não ficou indiferente e ofereceu uma cadeira de rodas adaptada. Esta oferta permite uma grande melhoria da qualidade de vida da menina e de toda a família. Apesar de em São Tomé os cuidados de saúde não permitirem um acompanhamento e fisioterapia desejáveis, o conforto da cadeira permite-lhe ter uma esperança de vida maior e um dia-a-dia mais feliz!).

METÁFORAS CULINÁRIAS EM TEMPO DE AUSTERIDADE


"Pão pão, queijo queijo". Cada um com as suas expressões. Não fossem as tradições alimentares e culinárias tão variadas, não teríamos também tão variada lista de figuras de estilo alimentícias de país para país. Em Portugal, vivemos dias difíceis e, para eles, temos as mais variadas expressões e metáforas culinárias. É como quem diz: "estamos feitos ao bife!" Já a Alemanha tem a tradicional "Alles hat ein Ende, nur die Wurst hat zwei", ou "tudo tem um fim, apenas as salsichas têm dois". Enquanto nós continuamos "fritos", "j’ ai la frite" em francês significa o contrário e utiliza-se quando se quer dizer que se está bem e com energia.  Querem mais expressões? "It’s piece of cake" – é fácil, basta clicarem aqui!

E porque o meu blogue tem estado em "águas de bacalhau" e a austeridade está "hasta en la sopa" - ou seja, não nos larga, deixo-vos este diálogo com expressões que vou ouvindo por aí...

- Já leste que vamos ser visitados pela Alemanha? Será uma oportunidade de puxarmos a brasa à nossa sardinha?
- Esquece, com os alemães não podemos ir aos figos!
- Certo, mas temo-nos a nós. Os portugueses são um povo lutador, não somos nenhumas cabeças de alho chocho.
- Gostava de estar optimista, temo-nos a nós mas não temos dinheiro e eu todos os dias confirmo que é impossível fazer limonada sem limões!
- Portugal pode estar a comer o pão que o diabo amassou, mas não podemos desanimar assim…
- Portugal não, o zé povinho! Não te esqueças que é sempre o pão do pobre que cai com a manteiga para baixo.
- Vamos acreditar que dias melhores virão, as crises são cíclicas e já sabemos que não há fome sem fartura.
- Não estou optimista como tu. A fome pela fartura é a do povo pelas elites. Não aguento mais com tanta mentira e insensibilidade que continuam a ser ditas em tom de carapaus de corrida e que invadem as nossas casas com a força de tufões que destroem tudo pelo caminho.
- Tens razão, já chega. Vamos mandar tudo às favas e emigrar!

A DEFESA DOS ALIMENTOS NATURAIS

Somos uma geração do século XXI, geneticamente próxima do Paleolítico, a viver com profundas modificações da alimentação e novos padrões de estilo de vida que nos empurram para as “doenças da civilização”.

Hoje não tive tempo para escrever nada, então deixo aqui um pouco do que li. Neste artigo do Professor Pedro Moreira, gostei especialmente deste parágrafo, que tão bem retrata o desentendimento entre o nosso organismo e os novos "alimentos". Podem ler todo o artigo aqui.

UMAMI


- Vim buscar-te para o piquenique.

- Se não respondi é porque não estou minimamente interessado em ir.

- Eu percebi, por isso vim cá. Não te vou deixar embrulhado em pensamentos chuvosos com um sol tão simpático lá fora.

- Não insistas, não gosto de piqueniques, fico muito melhor a comer uma sandes de atum.

- Então comes a tua sandes de atum no piquenique. Vais ver que até fica mais saborosa.

- Não fica mais saborosa, é o mesmo pão com o mesmo atum.

- Guarda os pragmatismos para quando são necessários! Sabor é diferente de paladar. Paladar é um dos 5 sentidos. Sabor é um prazer dos sentidos, é alegria! É um conceito holístico, percebes?

- Doce, azedo, amargo, salgado - 4 sabores básicos. Assim se chamam. Sa-bo-res.

- Não são 4, são 5. Mas anda, ensino-te coisas interessantes no piquenique.

- Os sentidos é que são 5.

- São 5 e precisam ser estimulados!! Servem para sentires o ambiente, para traduzires o mundo físico para a mente e não para a tua mente fechada os inadaptar ao mundo físico. M-U-N-D-O com pessoas, sol, chuva, arco-íris, rios, risos, relva, areia, árvores, picadas de mosquito, gritos de crianças, cocó de cão nos chinelos, rissóis, melancia, futebol, óculos de sol e toalhas aos quadradinhos. Anda embora porque este apartamento é uma ofensa aos estímulos! Já preparei a lancheira, trouxe azeitonas para ti.

- Vou só ali buscar a cana de pesca e já venho...

- Não gozes... Trouxe cerveja.

- Ok convenceste-me.

- Oh yeeeah!

- Pouca excitação se fazes o favor, antes que eu mude de ideias.

- Umami.

- Umami o quê?

- É o quinto sabor. É como tu, agridoce...

A REVOLTA DAS BANANAS

Não se enganem pela fotografia que lhes chama banana-ananás, porque mais correcto seria chamá-las ananás-banana, assim como os amiguinhos ali do lado, os maracujás-banana, que têm sabor de maracujás e forma de bananas. As chiquitas espertas quiseram inovar e conseguiram um guarda roupa arrojado, pago a preço de experiência tropical em primeira classe. Abrilhantaram a montra e deixaram na sombra, debaixo da mesa, as corriqueiras bananas, tristes por cada turista que passa e nem as vê. Elas que numa investida verdadeiramente heróica conseguiram chegar a todo o mundo e adaptar-se a todos os gostos, matar fome, equilibrar intestinos, diminuir cãibras a atletas, fazer tão bem à saúde de todos, ser tantas e tão variadas - como a banana-maçã, a banana-prata, a banana-pão, a banana-ouro, a banana-do-gabão, a banana-da-terra, a banana-figo e tantas outras - e no final das contas ficam ali menosprezadas por aqueles que ingratamente inventaram a expressão que lhes apetece chamar agora, "esses bananas"!

O sindicato das bananas deixa aqui este desabafo contra a segregação frutal, sem tirar o valor às suas colegas ananás-banana e maracujá-banana, que lá que são bonitas e saborosas são, mas por um futuro frutífero para todos, reivindica trocar a cesta de lugar!


O FRUTO MAIS CONSUMIDO NO MUNDO

A sério. Dizem que a banana e a maça são os mais consumidos, mas devem referir-se a frutos em estado natural, sem processamento. Eu aposto no café, que ultrapassa fronteiras, classes sociais, cultura e religião. É aceite onde quer que entre. É um caso de sucesso milenar a estimular e a aumentar a produtividade! O que eu bebo em São Tomé é quase sempre feito numa cafeteira francesa, mas cultivado, seco e torrado aqui mesmo ao lado de casa. Não deve ser consumido em excesso, claro não, mas temos uma vida inteira para poder experimentá-lo de várias formas, origens e qualidades. Aqui fica um gráfico com praticamente todas as formas de fazer café pelo mundo fora, desfrutem!

O SOLITÁRIO PLANTADOR DE AMOR

Ilustração: Kyle Hughes-Odgers
Assim que se levanta, inicia logo as tarefas de quem dá vida entre cada levantar e pôr do sol. O senhor Ga é assim, um cuidador de plantas, um cuidador de vidas. Mais do que um pai, o senhor Ga sabe que o crescimento das suas plantas depende de si. Eternamente presas ao chão do vaso, sem movimento, paraplégicas, surdas e mudas, totalmente entregues ao cuidado de um senhor com braços, com movimentos, com energia, com alegria e com amor de progenitor.

Logo de manha o senhor Ga tira as suas plantas do interior de casa e coloca-as na varanda ao sol e ao vento, sabe que o sol lhes dá energia e o vento lhes dá movimento. Depois rega-as com um regador, desde cima para que tomem banho e sintam o frio que agradece de seguida o calor, para que sintam os 4 elementos - ar, terra, fogo e água- para que a natureza nunca lhes falte em plena harmonia.

O senhor Ga também canta para as plantas, tem a certeza que cada vibração lhes melhora o crescimento, a tonalidade e a vivacidade. Elas respondem com sorrisos. Todas as plantas sabem sorrir para o senhor Ga e ele melhor do que ninguém sabe identificar a alegria e a tristeza de cada uma. Um dia uma couve partiu uma das folhas, até hoje o senhor Ga não sabe como é que isso foi acontecer e a triste couve chorou durante horas até a dor desaparecer. Outra dia o vento tombou uma camélia e o vaso partiu, as suas desafortunadas raízes começaram logo a sentir frio como uns pés descalços no inverno que acabam por secar e gretar.

Nada é mais importante para o senhor Ga, que não tem família. O senhor Ga nunca matou uma planta para de seguida a comer. Ele sabe que o ar que respira depende de cada pequena porção verde de vida que tão carinhosamente cuida. O senhor Ga podia não depender das suas plantas que mesmo assim não as comeria. O senhor Ga come apenas frutos e sementes em excesso que delas generosamente caem. Considera-se a si mesmo um "harmonívoro" pois acrescenta harmonia à sua condição de omnívoro.

O senhor Ga passa assim os dias, trata de todas as tarefas e depois senta-se junto às suas plantas e vê-as crescer. Um dia haverá de ter um grande quintal e plantar árvores de grande porte! Até lá não descuida das suas pequenas vidas que, ele sabe, floreiam como forma de lhe agradecer!

A nutrição das horas vagas

Moderar discussões, adaptar comentários e ignorar exibições. Esta podia ser a profissão médica que não obriga a fazer turnos e que podia garantir um emprego das 9h às 5h, mas não é! Ser nutricionista é ter uma profissão a tempo inteiro, é ser nutricionista nos almoços e nos jantares de amigos, nos encontros familiares e em todas as situações prováveis e improváveis onde possa vir à tona o tema nutrição. É um tema que se presta a sensacionalismos, o que explica o confronto de ideias que se geram em torno de todas as evidências e contra-evidências de fontes seguras e não seguras que envolvam saúde e nutrição. Falar de alimentação é um tema que agrada a todos e que pode ser moldado a qualquer área de interesse, seja a culinária, a sociologia, a tecnologia, o marketing ou a saúde. E aqui se gera a confusão. Aqui se entra em confronto e se confundem as coisas de tal maneira que o senso deixa de caber no mesmo saco. Uns fazem verdadeiros horóscopos com qualquer alimento saudável "come mais cebola que tem faz bem ao sangue!", acertam quase sempre. Outros já têm em casa as novas bagas originárias do Brasil que tomam diariamente ao pequeno-almoço e que são a melhor promessa de rejuvenescimento, segundo uma revista de moda. Beber água às refeições faz engordar, acreditam outros convictamente. Aos nutricionistas resta simplificar o complicado sempre que solicitados (e enquanto houver paciência!). É um trabalho de saúde pública constante e não menos importante que no horário de expediente, vos garanto! Mas vamos mudar de assunto...




MEIA ANDREIA


Ilustração: Cecile Veilhan
Era entre a uma e meia e as duas e Andreia ainda dava meia volta na cama antes de pensar na meia refeição que iria fazer, aquela que é pequeno-almoço e que é almoço e que na cabeça da Andreia era apenas uma espécie de tarefa, ou a meia tarefa que ela meia a dormir comia antes de ir para o trabalho meia a correr. Meia indecisa entre a meia de leite com torrada e o prato do dia, Andreia decidia sempre comer aquela dose de hidratos de carbono que no prato vêm meia dose de batata frita e a outra meia de arroz, mas a carne nunca comia, dizia ser vegetariana, mas era só meia, como ela dizia, “porque peixe vegetarianos podem comer!”.

Era toda meia, a Andreia, meia preguiçosa, meia apressada, meia caminho andado meia caminho corrido, meia cheia de ideias e a outra meia cheia de dificuldades. Ficava meia chateada quando lhe diziam que não conseguia por em prática as suas ideias mas Andreia ficava a meia voz, sem palavras termo que meia perdida não encontrava porque ficava meia nervosa.

Meia perdida de amores ficava tímida e meia chateada com ela própria de cada vez que meia encabulada corava quando sentia o coração a bater pelo rapaz da camisa de ganga. O que lhe valia é que já estava meia habituada e, na verdade não sabia o que sentia, estava meia dividida entre a admiração e a paixão.

Meia decidida quis mudar a meia parte que lhe empatava a breve meia vida. Meia volta à almofada, meia volta à cabeça e Andreia acordou decidida a encontrar a outra meia que sempre deixou entre as meias decisões que meia atrapalhada sempre tomou. Reflectiu já meia a dormir e chegou a uma conclusão. Andreia no fundo era meia igual a todas as pessoas. Afinal a justificação era que em tudo Andreia era meia com a razão e a outra meia com o coração!

A palmeira que dá cocos


(cocos prontos para se transformarem em palmeiras)
Ricas palmeiras que na cabeça de muitos pequeninos dão bananas! Compreensível comparação, até porque ninguém é tolo, ninguém compara macieiras com palmeiras. Portanto, cada qual em sua latitude! Ora bem, para ninguém confundir, bananeiras dão bananas e palmeiras dão muitas coisas. Dão cocos, dão dendém e dão belas fotografias à beira mar! De entre as muitas variedades, o coqueiro e o dendezeiro são as palmeiras mais conhecidas. Alguma atenção e lá está, entre folhas em riste, um conjunto de cocos, verdes ainda (os dauas) ou então maduros, prontos a caírem na cabeça mais desafortunada. Em zonas turísticas é comum depararmo-nos com o sinal “Cuidado com os cocos”. Muito obrigada pela informação mas o que posso fazer em relação a isso? Não os vou provocar, prometo! Por sorte atravesso o Ilhéu das Rolas, francamente o sítio com mais coqueiros por metro quadrado que, até hoje, visitei, três horas de caminhada com o constante som da queda dos temidos sem que nunca se atravessassem na nossa trajectória. Assim se quedam, assim se jazem no conforto da sombra da árvore mãe e assim ganham vida novamente, quando da casca já apodrecida se libertam as raízes sequiosas por vida! Uma vida cheia de energia, por isso engane-se quem pensa que a fruta engorda pouco. Devia ficar-me pelas 3 horas de caminhada e por uma água de coco, mas é preciso habilidade para subir uns metros na vertical para apanhar um daua. Mais fácil é apanhar o maduro que já caiu, bater numa pedra, comer o coco e reaver todas as calorias perdidas. Aí sim, sinto-me restabelecida, metade gordura, felizmente boa, algum açúcar e muitos sais minerais. Faço de conta que não estou a ser apanhada na fotografia e continuamos até à praia.

No próximo texto falo sobre o dendezeiro, a palmeira que é conhecida por palmeira! Até lá vou tentar uma foto dedicada do dendém!


A PRESSA NÃO PASSA DEPRESSA


Ilustração: Susan Gal
Alexandra não percebe porque é que todos temos que viver ao mesmo ritmo. Ela tem pressa para ser maior, tem pressa para ter corpo de mulher, tem pressa para tirar o aparelho dos dentes, tem pressa para poder comprar a própria roupa, para sair da escola primária que é sempre a mesma coisa e passar depressa para a universidade. Que aborrecimento ter que passar por todas as etapas como a Maria, a Eduarda e a Francisca. Elas não têm pressa mas Alexandra tem!

Alexandra não tem calma porque sobra-lhe tempo e ela não sabe o que fazer com ele. Alexandra tem pressa porque também tem vagar. 

Se ao menos fosse como nos contos infantis e existisse um ponteiro mágico no seu relógio que acelerasse o movimento. Mas não. E Alexandra continua dia após dia, aula após aula a pensar como será ser grande, poder ter uma profissão, poder usar saltos altos, ter um telemóvel cheio de funções e ser uma empresária cheia de afazeres. Às vezes desperta com um grito da professora a repreendê-la por mais uma vez estar no mundo da lua! Alexandra olha para o relógio e ainda faltam 36 minutos para a aula terminar. Que eternidade, está com pressa de sair!

Acelerar significa aumentar a rapidez, diminuir o tempo de espera - leu Alexandra no dicionário.

Mas como é que se pode acelerar o dia-a-dia, acelerar a vida?

Alexandra pensou no botão do telecomando do leitor de vídeo, aquele que se chama fast forward e que acelera as imagens e começou a traçar um plano.

1- Vestir à pressa.
2- Engolir o copo de leite de uma vez só.
3- Lavar os dentes apenas uma vez por dia e depressa.
4- Não andar, correr para todo o lado.
5- Aprender a matéria da escola depressa. (Aprender depressa? … Hum, esta vai ser difícil, é melhor trocar por escrever depressa e fazer contas à pressa).
6- Mastigar pouco para almoçar e jantar mais depressa.
7- Contar carneiros a correr para adormecer mais depressa.

Assim, depressa será amanha!

E assim fez. Alexandra vestiu à pressa e nem se apercebeu que tinha um sapato de cada cor. Engasgou-se com o leite e sujou a camisola toda, mas não podia perder tempo a trocar. Guardou para a noite lavar os dentes. Correu para a escola porque não podia esperar pelo autocarro. Escreveu tão rápido que a professora não percebeu uma única palavra da composição. Mastigou rápido e nem saboreou. Contou carneiros, contou durante tanto tempo que já ia no número 12565 e o sono ainda não tinha aparecido. Estava muito acelerada, a Alexandra, mas o seu relógio não acelerou. Vai demorar exactamente o mesmo tempo a amanhecer novamente. Toda a pressa foi em vão. E com este pensamento adormeceu…

PIQUENIQUE NA MODA AFRICANA

Modelo da colecção 2012 de Stella Jean
Porquê não trocar a típica toalha quadriculada branca e vermelha por um colorido tecido africano? Conhecido como capulana em Moçambique, chitengue no Malawi, kikoi na África do Sul e kanga em boa parte da África oriental, o tecido africano é o mais versátil de todos os tecidos! Imaginação e criatividade não faltam a quem os usa diariamente - para vestir, para carregar os filhos, para carregar o que quer que seja, para limpar, para decorar, para ir à praia ou até para fazer um modelo de alta costura! Aqui, para não fugir ao tema desta blog, sugiro que o usem para sair de casa e ir para o parque ou para a praia, o estendam à sombra e se deliciem a piquenicar qualquer coisa, qualquer conversa ou qualquer leitura que saiba bem ao ar livre, debaixo ou não de um embondeiro...

Antes de ser chocolate

Cacau
É um casca dura! Bem curioso quem dali conseguiu obter chocolate pela primeira vez... difícil de partir e à primeira vista não se conseguiria mais nada do que chupar a escassa goma que só vale o esforço porque é mesmo saborosa, tanto mais doce quanto madura estiver, mas sempre com aquele toque ácido carregado de vitamina C e antioxidantes! Mas foi bem pensado, sim senhor (ou senhora) que pela primeira vez aproveitou cada grão (a amêndoa de cacau), já sem goma e decidiu processá-los. É bom pensar que em todos os capítulos da história existiram pessoas aptas para contrariar a crise. Imaginem a quantidade de iguarias que podem estar escondidas em tudo o que desperdiçamos dos alimentos que conhecemos e mais ainda dos que não conhecemos? Felizmente no cacau tudo se aproveita, mesmo a casca que serve para trabalhos manuais. É todo prazeroso. Não é por acaso que existe tanta magia à volta do chocolate. Aqui vejo crianças a deliciarem-se com a goma da amêndoa que mais tarde vai ser chocolate. Muito obrigada pelo esforço meninos e meninas, agora já se pode por a secar para depois fermentar e torrar! Mais tarde servirá para deliciar outros meninos e meninas, noutra parte qualquer do mundo!


(Aqui têm informação sobre a história do cacau de São Tomé, docemente descrita pela família Corallo. Para quem estiver em Lisboa, se ficar curioso, pode experimentar na loja do Príncipe Real.)

O MENINO QUE QUERIA SER GORDO

Ilustração: Gregory Christie
Domingos é um menino ambicioso. Vive numa aldeia isolada e pobre, vai à escola e ainda ajuda a sua mãe que se sacrifica a vender doces de coco para alimentar 3 filhos pelo menos 2 vezes por dia. Para além disso, Domingos quer ser presidente, mas acha-se com fraca figura - 8 anos, um metro e qualquer coisa, pouco mais de 14 quilos, disse-lhe a enfermeira da última vez que visitou a aldeia. Mas o Domingos não se tranquiliza com a sua figura, quer ser presidente e por isso quer ser um menino gordo! Porque afinal o seu presidente é gordo. Então Domingos decidiu que faria tudo para alcançar o seu objectivo. E assim começaram as suas tentativas…

… Decidiu que de cada vez que a mãe o mandasse apanhar cocos, ele comeria metade!  No dia seguinte apanhou 10 cocos e pelo caminho comeu 5. Ficou de barriga cheia e de barriga cheia apanhou uma sova da sua mãe que só conseguiu fazer metade dos doces, vender metade dos doces e naquele dia alimentar metade das vezes os seus 3 filhos. Contas feitas, menos uma refeição naquele dia, não resultou, o Domingos não engordou...


… Então decidiu que iria apanhar bananas no quintal do vizinho. Domingos ficou alerta, o sol pôs-se e lá foi ele decidido a comer quanto conseguisse. Só que estava escuro, Domingos tropeçou e caiu, foi apanhado assim mesmo de queixo no chão e com umas quantas bananas todas esmagadas debaixo dele, na camisola dobrada para cima que servia de saco. Domingos levou um valente sermão, não dormiu, não ceou e não engordou…

… Então Domingos decidiu viajar para a cidade porque lá é que há meninos gordos. Como não tinha dinheiro para o bilhete de autocarro, Domingos foi a pé, 20 quilómetros debaixo de sol, sem beber e sem comer. Quando chegou, Domingos não viu árvores de fruto, nem campos de milho, nem búzios do mato. Em vez disso viu prédios, mercados e ruas cheias de carros. Domingos percebeu que precisava de dinheiro para poder comer e não tinha nem uma moeda. Depois de um dia tão cansativo o seu figurino mais enfezou e mais uma vez Domingos não engordou….

… Mas não desistiu. Domingos caminhou até que encontrou um parque verde dentro da cidade. Entrou e sentou-se na relva a pensar como subiria à árvore de mangas, sem que o homem vestido de segurança o apanhasse. Aí apareceu um menino gordo da cidade que o convidou para jogar à bola. Domingos disse decidido que não quer jogar à bola porque isso deixa os meninos mais magros, é como andar até chegar à cidade! Mas o outro menino apostou que se o Domingos jogasse e ganhasse podia ficar com o seu lanche. O outro menino logo se cansou e o Domingos ganhou. Mas o Domingos não engordou, em vez disso pensou…

… Domingos pensou que ainda quer jogar muito à bola sem se cansar antes de ser presidente.

Pegou no lanche e decidiu voltar à sua aldeia, pelo caminho comeu, bebeu e depressa chegou. É que já é segunda-feira, dia de escola.



A origem dos alimentos

Plantação de café na Roça de Monte Café em São Tomé 
Assim como fiz com o ananás, vou continuar a publicar pequenos textos sobre alguns alimentos pouco habituados a crescer à vista da maior parte de nós. Não é que o google não nos ensine em poucos segundos a origem de um alimento, mas eu gosto desta ligação à terra e gosto que a natureza me impressione. Porque a verdade é que o amendoim nasce debaixo de terra, o cajú numa árvore e o tremoço numa vagem. Não descobri assim há tanto tempo, certamente depois da minha primeira cerveja. Até ali eram apenas snacks. Uma injustiça colocá-los no mesmo pires que a outro qualquer que a mãe natureza não encomendou! Agora que olhei melhor, vejo-os bem mais interessantes e aparecem-me todos alinhados em tabelas de valores nutricionais, com vitaminas de A a K, sem corantes nem conservantes.

Em cada alimento, a mãe-natureza mostra a sua eficiência, o seu equilíbrio e a sua criatividade. É incrível entrar no La Boqueria, o grande mercado de frescos de Barcelona, e perceber a quantidade de frutos que não conhecemos. É incrível entrar num mercado de frescos biológicos e sentir os aromas de todos eles. Mas mais incrível ainda é vê-los crescer. Passearmo-nos no interior natural de qualquer parte do globo e ir questionando o que dá o quê. E vão com tempo, porque vão precisar!



O REI TROPICAL


Ananás
Nós trópicos assiste-se àquela performance da natureza, em que um rei decide aparecer do seio da rainha-mãe em truque de cabaret, todo dourado e glamoroso! Já vem de coroa para assumir o trono, o irreverente ananás - porque nem toda a fruta tem que ser doce e fácil de descascar, porque nos trópicos já há muitas bananas e porque a personalidade forte dele é mesmo assim, primeiro exige que se sinta a acidez e só depois a doçura!

Porque calor pede bebidas refrescantes e corpos airosos

"De manha tomo café, respondeu Pereira, e depois almoço e janto, como toda a gente, é muito simples. E o que come habitualmente, perguntou o doutor Cardoso, quer dizer, que tipo de alimentação tem? Tortinhas, ia responder Pereira, praticamente só como tortilhas, porque a minha porteira me deixa pão com tortilhas e porque no Café Orquídea só servem omeletes com salsa. Mas sentiu-se envergonhado e respondeu outra coisa. Um alimentação variada, disse, peixe, carne, verduras, sou bastante frugal a comer e como de um modo racional. E a sua obesidade quando começou a manifestar-se?, perguntou o doutor Cardoso. Há uns anos, respondeu Pereira, depois da morte da minha mulher. E quanto a doces, perguntou o doutor Cardoso, come muitos doces? Nunca, respondeu Pereira, não gosto, só bebo limonadas. Limonadas como?, perguntou o doutor Cardoso. Ao natural, de limões espremidos, disse Pereira, gosto de limonadas, é refrescante e tenho a impressão de que me fazem bem aos intestinos, porque tenho muitas vezes os intestinos desarranjados. Quantas por dia?, perguntou o doutor Cardoso. Pereira reflectiu uns instantes. Depende dos dias, respondeu, agora no Verão, por exemplo, aí umas dez. Dez limonadas por dia!, exclamou o doutor Cardoso, doutor Pereira  acho isso uma loucura, e diga-me, põe-lhes açúcar? Encho-as de açúcar, disse Pereira, meio copo de limonada e meio de açúcar."

excerto de Afirma Pereira de Antonio Tabucchi



Hospital dos pequeninos


É um hospital para meninos saudáveis. Nenhum menino doente entra. Não tem ligaduras nem linhas, não tem tintura de iodo nem água oxigenada, não tem alicates nem estetoscópios, não tem xaropes, comprimidos nem sacos de soro nem nada que te possa deixar com medo. O que vais lá fazer, de qualquer modo, se não estás doente? Nada, absolutamente nada, pensas tu. E por que delírio tem o nome de hospital?! É fácil, é porque lá se distribui saúde! E aos pontos! Hoje vens cá e recebes no teu boletim 5 pontos por cada consulta em que participares. Tens o médico que fala de alimentos, tens o que fala dos dentes, tens o que fala da higiene, tens o que fala do coração e o que cuida da emoção. E tens outros também, não vás querer aprender sobre coisas novas. É bom ir lá, sais cheio de saúde! Depois só tens que guardá-los bem, porque já sabes que a cada asneira lá se vai um ou dois pelo cano. E o Jeremias? Que de tão tolo que foi, andou a beber tanto refrigerante que os gastou todos? Só se apercebeu quando o dente começou a doer. Ficou bem preocupado! O que o safou foi o amigo que lhe emprestou uns pontinhos para que ficasse bom novamente! No dia seguinte lá foi o Jeremias, já cheio de saúde, ao hospital para poder retribuir o seu amigo. Veio, deu-lhe os pontos e um abraço e foram brincar.

(Porque nenhuma criança merece ficar doente antes mesmo de aprender a viver...)

A máquina que trabalha léve-léve

Crianças a semear uma horta em Monte Café, com apoio da ONG  Helpo
"The gears of poverty, ignorance, hopelessness and low self-esteem interact to create a kind of perpetual failure machine that grinds down dreams from generation to generation. We all bear the cost of keeping it running." 
Carl Sagan

A pobreza vive de fome, a fome vive de fraqueza e a fraqueza de muitos fracos juntos é pouca para lutar contra a pobreza. Ainda que a responsabilidade deva estar do lado do governo responsável pelos mais fracos, qualquer instituição que injecte um pouco de alimento, conhecimento e auto-estima, está a injectar força para que a máquina ganhe movimento. Estou de acordo com muitas críticas, mas também acredito nisto!



Independentemente do âmago, o rigor deve ser o mesmo

Fisiologicamente funcionamos de forma igual mas, quando há um desequilíbrio da nossa "máquina", o código de reparação é certamente bem diferente. Enquanto nutricionista esqueço parte da bibliografia que tanto usei num país desenvolvido e avanço para uma identificação detalhada de todas as ferramentas que me podem ser úteis aqui. Começo por conhecer bem todos os alimentos disponíveis e o seu valor nutricional, junto todo o conhecimento empírico dos locais, identifico os tratamentos disponíveis a nível dos cuidados de saúde e tento elaborar os meus próprios códigos. Faço-o com toda a cientificidade que me for possível. E aqui é que está a maior dificuldade do nutricionista que trabalha num país em desenvolvimento - é a curta obra bibliográfica, tudo aquilo que já foi feito e reportado especificamente para estas condições.

Se me perguntarem se é mais importante trabalhar aqui ou num país desenvolvido, a minha resposta é que é igual. Cada um com os seus problemas. Se me perguntarem onde é que é mais difícil trabalhar, então respondo que é aqui, onde há menos ferramentas. O que me move por cá não é a caridade. Também não é o sabor tropical do dia-a-dia. É essencialmente sentir que há menos remadores deste lado, que cada trabalho que eu e a meia dúzia (não mais) de nutricionistas fazemos aqui aproxima o conhecimento ao do "mundo desenvolvido".

Mais vezes este será tema neste blogue.

São Tomé é fértil. Mais, é superfértil!


Pitaya


Aqui cai uma semente que o vento trouxe de Taiwan e o improvável na terra da chuva acontece. A semente dá um cacto, o cacto dá uma flor, a flor dá um fruto! O fruto chama-se pitaya e é de um sabor e beleza dignos de fazer frente a qualquer invenção molecular gastronómica de uma mesa gourmet ocidental. Aqui sabe bem assim, em fatias ou à colher, para refrescar o corpo do calor tropical e da humidade que a floresta fechada abafa em direcção ao mar!

De lá até cá

Agora já noutra latitude desde a última mensagem que decidi não apagar... conto a distância em milhas, conto o tempo em anos luz, conto as semelhanças dentro da mesma fronteira continental, conto as diferenças em quase todas as parecenças. Porque afinal África não é um país e o tempo em África conta-se pelo número de obstáculos e pelo número de acessibilidades. A primeira atrasa o tempo, a segunda fá-lo seguir caminho.
Abri este blog em Moçambique e deixei-o parado na mesma altura. Agora dou-lhe novo rumo, a partir de São Tomé e Príncipe.