A seriedade de um homem velho

Ilustração de Julio Dolbeth

A dura realidade de um homem duro, é envelhecer.

O homem velho fica ali sentado, em frente à sua casa, na sombra do ilangue-ilangue, a árvore perfumada. Todos os dias, às 5 horas da tarde, o ilangue liberta o agradável aroma das suas flores em forma de folhas. Envelheceram juntos, homem, casa e ilangue. Se nas árvores a idade se conta pelos anéis de crescimento, naquele homem velho conta-se pelas rugas que agora lutam pelo pouco espaço livre. Ainda bem que não têm que cortar um homem ao meio para contar a sua idade, pensou. Sorriu por dentro. Será que a sua seriedade se deve a sorrir por dentro? Não. O comando do cérebro já não tem força para pôr a trabalhar os músculos da cara. Assim se vai perdendo alguma autonomia, com o passar do tempo. Os músculos cansam-se. Hoje já não tem forças para segurar numa enxada. Toda a sua vida tratou da machamba. Agora está seca. Sente a idade nas pernas, cada vez mais pesadas, cada vez a puxá-lo para mais perto do chão, onde um dia se deitará perpetuamente. A sua expressão não altera ao pensar nisto. Será que a sua seriedade se deve à fraqueza? Não. O trabalho de enxada nunca foi fácil. Mas 7 bocas para alimentar fizeram suar um pai de família. Hoje cada uma dessas bocas está responsável de lhe trazer uma refeição por semana. Uma refeição por dia para um homem velho não é suficiente. Mas os tempos não estão fáceis. O corpo há-de aguentar, está a definhar mas continua rijo. Será que a sua seriedade se deve à fome? Não. Um homem velho deixa de ouvir o relógio do estômago quando o contra-relógio do coração bate mais alto. Também o velho ilangue, todos os dias à mesma hora, avisa o velho homem que mais um dia se passou. O homem velho não gosta de contar o passar do tempo com o pôr-do-sol, esse traz escuridão, já o ilangue traz perfume. Fá-lo recordar os dias em que pendurava flores de ilangue em vez de brincos na sua namorada, futura e agora falecida esposa. Será que a sua seriedade se deve à tristeza? Não. O homem velho aprendeu a somar e a subtrair, a sentir a vida a ir e a vir. Guarda com carinho as recordações nos espaços que partilhou com a sua esposa. A casa deles. Agora sabe que a alma da casa é o abraço mais aconchegante que sabe receber em silêncio.


A que se deve então a seriedade do homem velho? Pode não haver resposta concreta, mas há comparação - o homem velho era, no fundo, igual à sua casa, forte na estrutura, envelhecido pelo tempo, preso na expressão.