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Ilustração: Karen Barbour |
O tecto da casa, as pernas longas da mãe, as correrias dos
irmãos que às vezes se agacham e se fixam na menina com uma ou outra
brincadeira, uma ou outra palavra, na menina que vê tudo de baixo para cima. Às
vezes não vê nada, está sozinha, todas as manhas da semana fica sozinha a ver o
tecto sempre de baixo para cima. A menina tem olhos nervosos que procuram. Só os
olhos mexem, mais nada na menina. Talvez por isso não parem, procuram as pernas
da mãe. Passam moscas e mosquitos, passam ratos, passam sombras e ondas de
calor, só ela continua presa ao chão, o movimento nunca é da menina. Mas às 14h
chegam as vozes e as pernas da mãe. Depressa chega o colo e a menina sorri,
agora já não vê tudo de baixo para cima. Da cama a menina já caiu, por isso o
chão com um resguardo continua a ser o melhor para a menina. Acompanha tudo o
que mãe faz, de volta ao lugar onde vê tudo de baixo para cima. A cadeira antiga
há muito que partiu e a mãe não pode comprar outra. Só resta à mãe ser as mãos
e as pernas da menina. A mãe consegue ser assim, duas em uma, ser e acontecer,
cuidar e fazer crescer a menina que foi condenada a nunca se mexer. Mãe três
vezes, mãe todos os dias, ganha-pão e colo que fazem a menina sorrir. Mas a mãe
ainda não conseguiu uma cadeira nova para a menina. Mas hoje tudo mudou, hoje a
menina olha de frente para os irmãos, hoje a menina está sentada e já não
precisa ver tudo de baixo para cima, hoje tem uma cadeira colo oferecida pela
madrinha. Agora já pode fazer o que mais gosta, que é seguir com os olhos todos
os movimentos da mãe e vê-la a sorrir para a menina.
(Esta é uma história verdadeira que publiquei nesta edição da revista Mundoh da Helpo, sobre uma criança de 9 anos com deficiência profunda. A sua
irmã é apadrinhada ao abrigo do programa materno-infantil da Helpo. A
sua madrinha não ficou indiferente e ofereceu uma cadeira de rodas adaptada. Esta oferta permite uma grande
melhoria da qualidade de vida da menina e de toda a família. Apesar de em São
Tomé os cuidados de saúde não permitirem um acompanhamento e fisioterapia desejáveis,
o conforto da cadeira permite-lhe ter uma esperança de vida maior e
um dia-a-dia mais feliz!).