(a propósito da recente moção de censura ao Governo de São Tomé)
- Eeeeuuu, não estou nem um pouco interessada na sansão de moçura.
- Você matou Camões e ainda acha que está a falar português??
UM COLO PARA A MENINA
Ilustração: Karen Barbour |
(Esta é uma história verdadeira que publiquei nesta edição da revista Mundoh da Helpo, sobre uma criança de 9 anos com deficiência profunda. A sua
irmã é apadrinhada ao abrigo do programa materno-infantil da Helpo. A
sua madrinha não ficou indiferente e ofereceu uma cadeira de rodas adaptada. Esta oferta permite uma grande
melhoria da qualidade de vida da menina e de toda a família. Apesar de em São
Tomé os cuidados de saúde não permitirem um acompanhamento e fisioterapia desejáveis,
o conforto da cadeira permite-lhe ter uma esperança de vida maior e
um dia-a-dia mais feliz!).
METÁFORAS CULINÁRIAS EM TEMPO DE AUSTERIDADE
"Pão pão, queijo queijo". Cada um com as suas expressões. Não
fossem as tradições alimentares e culinárias tão variadas, não teríamos também
tão variada lista de figuras de estilo alimentícias de país para país. Em Portugal,
vivemos dias difíceis e, para eles, temos as mais variadas expressões e
metáforas culinárias. É como quem diz: "estamos feitos
ao bife!" Já a Alemanha tem a tradicional "Alles hat ein Ende, nur die
Wurst hat zwei", ou "tudo tem um fim, apenas as salsichas têm
dois". Enquanto nós continuamos "fritos", "j’ ai la frite" em
francês significa o contrário e utiliza-se quando se quer dizer que se está bem
e com energia. Querem mais expressões? "It’s
piece of cake" – é fácil, basta clicarem aqui!
E porque o meu blogue tem estado em "águas de bacalhau" e a
austeridade está "hasta en la sopa" - ou seja, não nos larga, deixo-vos
este diálogo com expressões que vou ouvindo por aí...
- Já leste que vamos ser visitados pela Alemanha? Será uma
oportunidade de puxarmos a brasa à nossa sardinha?
- Esquece, com os alemães não podemos ir aos figos!
- Certo, mas temo-nos a nós. Os portugueses são um povo
lutador, não somos nenhumas cabeças de alho chocho.
- Gostava de estar optimista, temo-nos a nós mas não temos
dinheiro e eu todos os dias confirmo que é impossível fazer limonada sem
limões!
- Portugal pode estar a comer o pão que o diabo amassou, mas
não podemos desanimar assim…
- Portugal não, o zé povinho! Não te esqueças que é sempre o
pão do pobre que cai com a manteiga para baixo.
- Vamos acreditar que dias melhores virão, as crises são
cíclicas e já sabemos que não há fome sem fartura.
- Não estou optimista como tu. A fome pela fartura é a do
povo pelas elites. Não aguento mais com
tanta mentira e insensibilidade que continuam a ser ditas em tom de carapaus de
corrida e que invadem as nossas casas com a força de tufões que destroem tudo
pelo caminho.
- Tens razão, já chega. Vamos mandar tudo às favas e emigrar!
A DEFESA DOS ALIMENTOS NATURAIS
Somos uma geração do século XXI, geneticamente próxima do Paleolítico, a viver com profundas modificações da alimentação e novos padrões de estilo de vida que nos empurram para as “doenças da civilização”.
Hoje não tive tempo para escrever nada, então deixo aqui um pouco do que li. Neste artigo do Professor Pedro Moreira, gostei especialmente deste parágrafo, que tão bem retrata o desentendimento entre o nosso organismo e os novos "alimentos". Podem ler todo o artigo aqui.
Hoje não tive tempo para escrever nada, então deixo aqui um pouco do que li. Neste artigo do Professor Pedro Moreira, gostei especialmente deste parágrafo, que tão bem retrata o desentendimento entre o nosso organismo e os novos "alimentos". Podem ler todo o artigo aqui.
UMAMI
- Vim buscar-te para o piquenique.
- Se não respondi é porque não estou minimamente interessado em ir.
- Eu percebi, por isso vim cá. Não te vou deixar embrulhado em pensamentos chuvosos com um sol tão simpático lá fora.
- Não insistas, não gosto de piqueniques, fico muito melhor a comer uma sandes de atum.
- Então comes a tua sandes de atum no piquenique. Vais ver que até fica mais saborosa.
- Não fica mais saborosa, é o mesmo pão com o mesmo atum.
- Guarda os pragmatismos para quando são necessários! Sabor é diferente de paladar. Paladar é um dos 5 sentidos. Sabor é um prazer dos sentidos, é alegria! É um conceito holístico, percebes?
- Doce, azedo, amargo, salgado - 4 sabores básicos. Assim se chamam. Sa-bo-res.
- Não são 4, são 5. Mas anda, ensino-te coisas interessantes no piquenique.
- Os sentidos é que são 5.
- São 5 e precisam ser estimulados!! Servem para sentires o ambiente, para traduzires o mundo físico para a mente e não para a tua mente fechada os inadaptar ao mundo físico. M-U-N-D-O com pessoas, sol, chuva, arco-íris, rios, risos, relva, areia, árvores, picadas de mosquito, gritos de crianças, cocó de cão nos chinelos, rissóis, melancia, futebol, óculos de sol e toalhas aos quadradinhos. Anda embora porque este apartamento é uma ofensa aos estímulos! Já preparei a lancheira, trouxe azeitonas para ti.
- Vou só ali buscar a cana de pesca e já venho...
- Não gozes... Trouxe cerveja.
- Ok convenceste-me.
- Oh yeeeah!
- Pouca excitação se fazes o favor, antes que eu mude de ideias.
- Umami.
- Umami o quê?
- É o quinto sabor. É como tu, agridoce...
A REVOLTA DAS BANANAS
Não se enganem pela fotografia que lhes chama banana-ananás, porque mais correcto seria chamá-las ananás-banana, assim como os amiguinhos ali do lado, os maracujás-banana, que têm sabor de maracujás e forma de bananas. As chiquitas espertas quiseram inovar e conseguiram um guarda roupa arrojado, pago a preço de experiência tropical em primeira classe. Abrilhantaram a montra e deixaram na sombra, debaixo da mesa, as corriqueiras bananas, tristes por cada turista que passa e nem as vê. Elas que numa investida verdadeiramente heróica conseguiram chegar a todo o mundo e adaptar-se a todos os gostos, matar fome, equilibrar intestinos, diminuir cãibras a atletas, fazer tão bem à saúde de todos, ser tantas e tão variadas - como a banana-maçã, a banana-prata, a banana-pão, a banana-ouro, a banana-do-gabão, a banana-da-terra, a banana-figo e tantas outras - e no final das contas ficam ali menosprezadas por aqueles que ingratamente inventaram a expressão que lhes apetece chamar agora, "esses bananas"!
O sindicato das bananas deixa aqui este desabafo contra a segregação frutal, sem tirar o valor às suas colegas ananás-banana e maracujá-banana, que lá que são bonitas e saborosas são, mas por um futuro frutífero para todos, reivindica trocar a cesta de lugar!
O FRUTO MAIS CONSUMIDO NO MUNDO
A sério. Dizem que a banana e a maça são os mais consumidos, mas devem referir-se a frutos em estado natural, sem processamento. Eu aposto no café, que ultrapassa fronteiras, classes sociais, cultura e religião. É aceite onde quer que entre. É um caso de sucesso milenar a estimular e a aumentar a produtividade! O que eu bebo em São Tomé é quase sempre feito numa cafeteira francesa, mas cultivado, seco e torrado aqui mesmo ao lado de casa. Não deve ser consumido em excesso, claro não, mas temos uma vida inteira para poder experimentá-lo de várias formas, origens e qualidades. Aqui fica um gráfico com praticamente todas as formas de fazer café pelo mundo fora, desfrutem!
O SOLITÁRIO PLANTADOR DE AMOR
Ilustração: Kyle Hughes-Odgers |
Logo de manha o senhor Ga tira as suas plantas do interior de casa e coloca-as na varanda ao sol e ao vento, sabe que o sol lhes dá energia e o vento lhes dá movimento. Depois rega-as com um regador, desde cima para que tomem banho e sintam o frio que agradece de seguida o calor, para que sintam os 4 elementos - ar, terra, fogo e água- para que a natureza nunca lhes falte em plena harmonia.
O senhor Ga também canta para as plantas, tem a certeza que cada vibração lhes melhora o crescimento, a tonalidade e a vivacidade. Elas respondem com sorrisos. Todas as plantas sabem sorrir para o senhor Ga e ele melhor do que ninguém sabe identificar a alegria e a tristeza de cada uma. Um dia uma couve partiu uma das folhas, até hoje o senhor Ga não sabe como é que isso foi acontecer e a triste couve chorou durante horas até a dor desaparecer. Outra dia o vento tombou uma camélia e o vaso partiu, as suas desafortunadas raízes começaram logo a sentir frio como uns pés descalços no inverno que acabam por secar e gretar.
Nada é mais importante para o senhor Ga, que não tem família. O senhor Ga nunca matou uma planta para de seguida a comer. Ele sabe que o ar que respira depende de cada pequena porção verde de vida que tão carinhosamente cuida. O senhor Ga podia não depender das suas plantas que mesmo assim não as comeria. O senhor Ga come apenas frutos e sementes em excesso que delas generosamente caem. Considera-se a si mesmo um "harmonívoro" pois acrescenta harmonia à sua condição de omnívoro.
O senhor Ga passa assim os dias, trata de todas as tarefas e depois senta-se junto às suas plantas e vê-as crescer. Um dia haverá de ter um grande quintal e plantar árvores de grande porte! Até lá não descuida das suas pequenas vidas que, ele sabe, floreiam como forma de lhe agradecer!
A nutrição das horas vagas
Moderar discussões, adaptar comentários e ignorar exibições. Esta podia ser a profissão médica que não obriga a fazer turnos e que podia garantir um emprego das 9h às 5h, mas não é! Ser nutricionista é ter uma profissão a tempo inteiro, é ser nutricionista nos almoços e nos jantares de amigos, nos encontros familiares e em todas as situações prováveis e improváveis onde possa vir à tona o tema nutrição. É um tema que se presta a sensacionalismos, o que explica o confronto de ideias que se geram em torno de todas as evidências e contra-evidências de fontes seguras e não seguras que envolvam saúde e nutrição. Falar de alimentação é um tema que agrada a todos e que pode ser moldado a qualquer área de interesse, seja a culinária, a sociologia, a tecnologia, o marketing ou a saúde. E aqui se gera a confusão. Aqui se entra em confronto e se confundem as coisas de tal maneira que o senso deixa de caber no mesmo saco. Uns fazem verdadeiros horóscopos com qualquer alimento saudável "come mais cebola que tem faz bem ao sangue!", acertam quase sempre. Outros já têm em casa as novas bagas originárias do Brasil que tomam diariamente ao pequeno-almoço e que são a melhor promessa de rejuvenescimento, segundo uma revista de moda. Beber água às refeições faz engordar, acreditam outros convictamente. Aos nutricionistas resta simplificar o complicado sempre que solicitados (e enquanto houver paciência!). É um trabalho de saúde pública constante e não menos importante que no horário de expediente, vos garanto! Mas vamos mudar de assunto...
MEIA ANDREIA
Ilustração: Cecile Veilhan |
Era toda meia, a Andreia, meia preguiçosa, meia apressada,
meia caminho andado meia caminho corrido, meia cheia de ideias e a outra meia
cheia de dificuldades. Ficava meia chateada quando lhe diziam que não conseguia
por em prática as suas ideias mas Andreia ficava a meia voz, sem palavras termo
que meia perdida não encontrava porque ficava meia nervosa.
Meia perdida de amores ficava tímida e meia chateada com ela
própria de cada vez que meia encabulada corava quando sentia o coração a bater
pelo rapaz da camisa de ganga. O que lhe valia é que já estava meia habituada
e, na verdade não sabia o que sentia, estava meia dividida entre a admiração e
a paixão.
Meia decidida quis mudar a meia parte que lhe empatava a
breve meia vida. Meia volta à almofada, meia
volta à cabeça e Andreia acordou decidida a encontrar a outra meia que sempre
deixou entre as meias decisões que meia atrapalhada sempre tomou. Reflectiu já
meia a dormir e chegou a uma conclusão. Andreia no fundo era meia igual a todas
as pessoas. Afinal a justificação era que em tudo Andreia era meia com a razão
e a outra meia com o coração!
A palmeira que dá cocos
(cocos prontos para se transformarem em palmeiras) |
No próximo texto falo sobre o dendezeiro, a palmeira que é
conhecida por palmeira! Até lá vou tentar uma foto dedicada do dendém!
A PRESSA NÃO PASSA DEPRESSA
Ilustração: Susan Gal |
Alexandra não tem calma porque sobra-lhe tempo e ela não sabe o que fazer com ele. Alexandra tem pressa porque também tem vagar.
Se ao menos fosse como nos contos infantis e existisse um
ponteiro mágico no seu relógio que acelerasse o movimento. Mas não. E Alexandra
continua dia após dia, aula após aula a pensar como será ser grande, poder ter
uma profissão, poder usar saltos altos, ter um telemóvel cheio de funções e ser
uma empresária cheia de afazeres. Às vezes desperta com um grito da professora
a repreendê-la por mais uma vez estar no mundo da lua! Alexandra olha para o
relógio e ainda faltam 36 minutos para a aula terminar. Que eternidade, está
com pressa de sair!
Acelerar significa aumentar
a rapidez, diminuir o tempo de espera - leu Alexandra no dicionário.
Mas como é que se pode acelerar o dia-a-dia, acelerar a
vida?
Alexandra pensou no botão do telecomando do leitor de vídeo,
aquele que se chama fast forward e que
acelera as imagens e começou a traçar um plano.
1- Vestir à pressa.
2- Engolir o copo de leite de uma vez só.
3- Lavar os dentes apenas uma vez por dia e depressa.
4- Não andar, correr para todo o lado.
5- Aprender a matéria da escola depressa. (Aprender depressa?
… Hum, esta vai ser difícil, é melhor trocar por escrever depressa e fazer
contas à pressa).
6- Mastigar pouco para almoçar e jantar mais depressa.
7- Contar carneiros a correr para adormecer mais depressa.
Assim, depressa será amanha!
E assim fez. Alexandra vestiu à pressa e nem se apercebeu
que tinha um sapato de cada cor. Engasgou-se com o leite e sujou a camisola
toda, mas não podia perder tempo a trocar. Guardou para a noite lavar os dentes.
Correu para a escola porque não podia esperar pelo autocarro. Escreveu tão
rápido que a professora não percebeu uma única palavra da composição. Mastigou
rápido e nem saboreou. Contou carneiros, contou durante tanto tempo que já ia
no número 12565 e o sono ainda não tinha aparecido. Estava muito acelerada, a
Alexandra, mas o seu relógio não acelerou. Vai demorar exactamente o mesmo
tempo a amanhecer novamente. Toda a pressa foi em vão. E com este pensamento
adormeceu…
PIQUENIQUE NA MODA AFRICANA
Modelo da colecção 2012 de Stella Jean |
Antes de ser chocolate
Cacau |
(Aqui têm informação sobre a história do cacau de São Tomé, docemente descrita pela família Corallo. Para quem estiver em Lisboa, se ficar curioso, pode experimentar na loja do Príncipe Real.)
O MENINO QUE QUERIA SER GORDO
Ilustração: Gregory Christie |
… Então decidiu que iria apanhar bananas no quintal do vizinho.
Domingos ficou alerta, o sol pôs-se e lá foi ele decidido a comer quanto
conseguisse. Só que estava escuro, Domingos tropeçou e caiu, foi apanhado assim
mesmo de queixo no chão e com umas quantas bananas todas esmagadas debaixo
dele, na camisola dobrada para cima que servia de saco. Domingos levou um
valente sermão, não dormiu, não ceou e não engordou…
… Então Domingos decidiu viajar para a cidade porque lá é que
há meninos gordos. Como não tinha dinheiro para o bilhete de autocarro,
Domingos foi a pé, 20 quilómetros debaixo de sol, sem beber e sem comer. Quando
chegou, Domingos não viu árvores de fruto, nem campos de milho, nem búzios do
mato. Em vez disso viu prédios, mercados e ruas cheias de carros. Domingos
percebeu que precisava de dinheiro para poder comer e não tinha nem uma moeda.
Depois de um dia tão cansativo o seu figurino mais enfezou e mais uma vez Domingos
não engordou….
… Mas não desistiu. Domingos caminhou até que encontrou um
parque verde dentro da cidade. Entrou e sentou-se na relva a pensar como subiria à
árvore de mangas, sem que o homem vestido de segurança o apanhasse. Aí apareceu
um menino gordo da cidade que o convidou para jogar à bola. Domingos disse
decidido que não quer jogar à bola porque isso deixa os meninos mais magros, é
como andar até chegar à cidade! Mas o outro menino apostou que se o Domingos
jogasse e ganhasse podia ficar com o seu lanche. O outro menino logo se cansou
e o Domingos ganhou. Mas o Domingos não engordou, em vez disso pensou…
… Domingos pensou que ainda quer jogar muito à bola sem se
cansar antes de ser presidente.
Pegou no lanche e decidiu voltar à sua aldeia, pelo caminho comeu,
bebeu e depressa chegou. É que já é segunda-feira, dia de escola.
A origem dos alimentos
Plantação de café na Roça de Monte Café em São Tomé |
Em cada alimento, a mãe-natureza mostra a sua eficiência, o seu equilíbrio e a sua criatividade. É incrível entrar no La Boqueria, o grande mercado de frescos de Barcelona, e perceber a quantidade de frutos que não conhecemos. É incrível entrar num mercado de frescos biológicos e sentir os aromas de todos eles. Mas mais incrível ainda é vê-los crescer. Passearmo-nos no interior natural de qualquer parte do globo e ir questionando o que dá o quê. E vão com tempo, porque vão precisar!
O REI TROPICAL
Ananás |
Porque calor pede bebidas refrescantes e corpos airosos
"De manha tomo café, respondeu Pereira, e depois almoço e janto, como toda a gente, é muito simples. E o que come habitualmente, perguntou o doutor Cardoso, quer dizer, que tipo de alimentação tem? Tortinhas, ia responder Pereira, praticamente só como tortilhas, porque a minha porteira me deixa pão com tortilhas e porque no Café Orquídea só servem omeletes com salsa. Mas sentiu-se envergonhado e respondeu outra coisa. Um alimentação variada, disse, peixe, carne, verduras, sou bastante frugal a comer e como de um modo racional. E a sua obesidade quando começou a manifestar-se?, perguntou o doutor Cardoso. Há uns anos, respondeu Pereira, depois da morte da minha mulher. E quanto a doces, perguntou o doutor Cardoso, come muitos doces? Nunca, respondeu Pereira, não gosto, só bebo limonadas. Limonadas como?, perguntou o doutor Cardoso. Ao natural, de limões espremidos, disse Pereira, gosto de limonadas, é refrescante e tenho a impressão de que me fazem bem aos intestinos, porque tenho muitas vezes os intestinos desarranjados. Quantas por dia?, perguntou o doutor Cardoso. Pereira reflectiu uns instantes. Depende dos dias, respondeu, agora no Verão, por exemplo, aí umas dez. Dez limonadas por dia!, exclamou o doutor Cardoso, doutor Pereira acho isso uma loucura, e diga-me, põe-lhes açúcar? Encho-as de açúcar, disse Pereira, meio copo de limonada e meio de açúcar."
excerto de Afirma Pereira de Antonio Tabucchi
Hospital dos pequeninos
É um hospital para meninos saudáveis. Nenhum menino doente
entra. Não tem ligaduras nem linhas, não tem tintura de iodo nem água
oxigenada, não tem alicates nem estetoscópios, não tem xaropes, comprimidos nem
sacos de soro nem nada que te possa deixar com medo. O que vais lá fazer, de
qualquer modo, se não estás doente? Nada, absolutamente nada, pensas tu. E por
que delírio tem o nome de hospital?! É fácil, é porque lá se distribui saúde! E
aos pontos! Hoje vens cá e recebes no teu boletim 5 pontos por cada consulta em
que participares. Tens o médico que fala de alimentos, tens o que fala dos
dentes, tens o que fala da higiene, tens o que fala do coração e o que cuida da
emoção. E tens outros também, não vás querer aprender sobre coisas novas. É bom
ir lá, sais cheio de saúde! Depois só tens que guardá-los bem, porque já sabes
que a cada asneira lá se vai um ou dois pelo cano. E o Jeremias? Que de tão
tolo que foi, andou a beber tanto refrigerante que os gastou todos? Só se
apercebeu quando o dente começou a doer. Ficou bem preocupado! O que o safou
foi o amigo que lhe emprestou uns pontinhos para que ficasse bom novamente! No dia
seguinte lá foi o Jeremias, já cheio de saúde, ao hospital para poder retribuir
o seu amigo. Veio, deu-lhe os pontos e um abraço e foram brincar.
(Porque nenhuma criança merece ficar doente antes mesmo de aprender a viver...)
A máquina que trabalha léve-léve
Carl Sagan
A pobreza vive de fome, a fome vive de fraqueza e a fraqueza de muitos fracos juntos é pouca para lutar contra a pobreza. Ainda que a responsabilidade deva estar do lado do governo responsável pelos mais fracos, qualquer instituição que injecte um pouco de alimento, conhecimento e auto-estima, está a injectar força para que a máquina ganhe movimento. Estou de acordo com muitas críticas, mas também acredito nisto!
Independentemente do âmago, o rigor deve ser o mesmo
Fisiologicamente funcionamos de forma igual mas, quando há um desequilíbrio da nossa "máquina", o código de reparação é certamente bem diferente. Enquanto nutricionista esqueço parte da bibliografia que tanto usei num país desenvolvido e avanço para uma identificação detalhada de todas as ferramentas que me podem ser úteis aqui. Começo por conhecer bem todos os alimentos disponíveis e o seu valor nutricional, junto todo o conhecimento empírico dos locais, identifico os tratamentos disponíveis a nível dos cuidados de saúde e tento elaborar os meus próprios códigos. Faço-o com toda a cientificidade que me for possível. E aqui é que está a maior dificuldade do nutricionista que trabalha num país em desenvolvimento - é a curta obra bibliográfica, tudo aquilo que já foi feito e reportado especificamente para estas condições.
Se me perguntarem se é mais importante trabalhar aqui ou num país desenvolvido, a minha resposta é que é igual. Cada um com os seus problemas. Se me perguntarem onde é que é mais difícil trabalhar, então respondo que é aqui, onde há menos ferramentas. O que me move por cá não é a caridade. Também não é o sabor tropical do dia-a-dia. É essencialmente sentir que há menos remadores deste lado, que cada trabalho que eu e a meia dúzia (não mais) de nutricionistas fazemos aqui aproxima o conhecimento ao do "mundo desenvolvido".
Mais vezes este será tema neste blogue.
Se me perguntarem se é mais importante trabalhar aqui ou num país desenvolvido, a minha resposta é que é igual. Cada um com os seus problemas. Se me perguntarem onde é que é mais difícil trabalhar, então respondo que é aqui, onde há menos ferramentas. O que me move por cá não é a caridade. Também não é o sabor tropical do dia-a-dia. É essencialmente sentir que há menos remadores deste lado, que cada trabalho que eu e a meia dúzia (não mais) de nutricionistas fazemos aqui aproxima o conhecimento ao do "mundo desenvolvido".
Mais vezes este será tema neste blogue.
São Tomé é fértil. Mais, é superfértil!
Pitaya |
Aqui cai uma semente que o vento trouxe de Taiwan e o improvável na terra da chuva acontece. A semente dá um cacto, o cacto dá uma flor, a flor dá um fruto! O fruto chama-se pitaya e é de um sabor e beleza dignos de fazer frente a qualquer invenção molecular gastronómica de uma mesa gourmet ocidental. Aqui sabe bem assim, em fatias ou à colher, para refrescar o corpo do calor tropical e da humidade que a floresta fechada abafa em direcção ao mar!
De lá até cá
Agora já noutra latitude desde a última mensagem que decidi não apagar... conto a distância em milhas, conto o tempo em anos luz, conto as semelhanças dentro da mesma fronteira continental, conto as diferenças em quase todas as parecenças. Porque afinal África não é um país e o tempo em África conta-se pelo número de obstáculos e pelo número de acessibilidades. A primeira atrasa o tempo, a segunda fá-lo seguir caminho.
Abri este blog em Moçambique e deixei-o parado na mesma altura. Agora dou-lhe novo rumo, a partir de São Tomé e Príncipe.
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